Compreender o sentido produzido na vida de mulheres agricultoras de Maracajá, que participaram do projeto de alfabetização, desenvolvido no bairro de Espigão Grande, na Escola Municipal Eulália Oliveira de Bem nos anos de 2002 a 2004, foi tema do trabalho de Mestrado em Educação, na Unesc, da professora Cristiane Sant´Ana.
“À época o projeto de alfabetização foi desenvolvido por mim e minha colega Izabel de Almeida Souza. Na pesquisa foram entrevistadas quatro mulheres que participaram do projeto”, relata a professora. Conforme ela, os objetivos além de compreender os sentidos produzidos na vida delas, com a participação no projeto de alfabetização, eram analisar os significados do ingresso/não ingresso na vida escolar na infância e o abandono escolar, identificando as lembranças que permanecem sobre a experiência da alfabetização durante o projeto e discutir as mudanças que a alfabetização provocou na vida delas.
“A minha participação no projeto mostrou uma experiencia muito significativa e de muito aprendizado enquanto professora. Com a pesquisa tive a oportunidade de descobrir que a participação no projeto também proporcionou muitas experiências singulares para as mulheres agricultoras”, conta Cristiane.
Segundo a professora, ao analisar as narrativas das mulheres agricultoras quanto aos sentidos produzidos nas suas vidas, foi possível perceber que a convivência, as amizades e os saberes construídos com o grupo marcaram as lembranças de todas elas. “Durante as entrevistas, elas relataram sobre a descoberta da leitura e da escrita, que proporcionou autonomia para escrever a sua lista de compras, por exemplo, além de descobrir e/ou aperfeiçoar a leitura de textos presentes no cotidiano, como a Bíblia, receitas e muitos outros. Outra conquista apontada pelas mulheres agricultoras, foi perder a timidez para expressar seus pensamentos e opiniões”, relembra Cristiane.
Percebi a importância de comunicar todas as conquistas dessas mulheres agricultoras, com o desejo de que a educação de jovens e adultos possa proporcionar novos sonhos, novos saberes, principalmente tendo a educação como forma de conquista de autonomia, de dizer a sua palavra e de intervenção no mundo.
Alunas revelam experiências e resultados com aprendizado
Maria Bernadete Medeiros Rocha, de 54 anos e Julia Benta de Assis Artur, de 68 anos, foram entrevistadas pela professora Cristiane, e narraram fatos dos primeiros contatos com a escola.
“Quando eu era criança, eu entrei na escola com 7 anos de idade, até fui antes um pouco porque eu era meio mimadinha do meu pai, que me botou antes pra eu ir acostumando, mas a escola era longe. Nós morávamos no Mato Feio e íamos na aula lá no Espigão da Toca. Nós começamos a estudar, a professora era a Dona Nilda Zilda Gomes. Mas era difícil, bem difícil, porque no começo a professora dava aula para mais séries, não era só para a primeira, era para a primeira, segunda, terceira e quarta tudo junto”, revela.
Dete conta que o pai acabou tirando ela da escola do Espigão da Toca, colocando na Escola do Espigão Grande, onde estudou por mais 2 anos. “No Espigão Grande também era longe, e ia a pé, era muito difícil. Quando chegou a 4ª série, o pai dizia que já estava bom, que não precisava mais estudar. Eu sentia dificuldade eu achava que precisava estudar mais”, lembra.
Quando o projeto foi implantado Dete conta que viu uma oportunidade, e voltou a estudar. “Foi bem proveitoso, hoje eu ajudo bastante na comunidade com o que eu aprendi, me desenvolvi um pouquinho mais, porque eu era muito tímida. Eu gosto de desafio, surgiu uma oportunidade lá vou eu, eu sou bem persistente”, relata a agricultora.
Segundo ela, aprender a ler e escrever foi uma das coisas mais importantes que já fez. “De um modo geral, quando não sabia ler nem escrever, acabava me achando cega, surda e muda, principalmente pela timidez de participar das atividades comunitárias. Eu era mais triste e envergonhada. Quando aprendemos a ler e escrever, começamos a ver o mundo de outra forma, muito mais bonito e prazeroso”, conclui Dete.
Para Julia, foi um pouco mais difícil, já que não havia frequentado nenhuma escola. “Passei toda infância sem ir a escola. Acho que meus pais não me colocaram, porque na época era longe. As minhas irmãs mais velhas até que estudaram um pouquinho. No tempo que era para eu ir, tiraram a professora, ficando um tempo sem. Quando a nova professora tinha chegado, meu pai até falou em me colocar, mas eu disse não, porque eu já estava muito grande, com 12 para 13 anos. Naquele tempo as crianças eram pequeninhas quando iam para a escola, não é igual agora, que depois de moço estão estudando, era tudo quando era mais novinho. Meu pai nunca me forçou para ir, só que eu fiquei assim, me criei sem aprender, sem ir para escola, e por isso eu não era contente, tinha aquela vontade de aprender.
Participar do projeto de alfabetização foi muito bom. “Lembro que na época a gente trabalhava o dia todo, chegava a noite e ia estudar mesmo cansada, mas tinha animação”, lembra. Júlia conta que hoje tudo ficou um pouco mais fácil. “Quando a gente recebe um convite, tem um bilhete, ou precisa tomar um remédio, a gente já pega e lê. Ficou mais fácil em tudo, comprar as coisas. Comprei meu celular, agora sei ler e passar mensagem. Tudo mudou, porque se a gente vai passear e não sabe ler, até pegar um ônibus é ruim”, conclui.